segunda-feira, 21 de julho de 2014

Cartas do Tony - O AZAR

O azarado
Tinha conhecido o crack havia uns três anos. Da maconha, passando pela cocaína, muito álcool, o fim da família, a ida para as ruas, e o vício final. A pedra definitiva, a derrota definitiva. Já nem se lembrava o nome da rua em que “morava”, era uma rua do Rio. Às vezes, num relance de sobriedade, num raríssimo momento entre uma pedra e outro, podia ver uma parte de reconhecíveis monumentos, algo como praças, estátuas ou chafarizes, escadarias onde se largava para dormir seus sonhos-pesadelos que sempre terminavam com respingos de chuva ou esbarrões com cachorros tão abandonados como ele mesmo. No início, havia o medo dos cruéis marginais que queimavam vivos os mendigos e drogados que se amontoavam nas partes mais desertas das praças e ruas da cidade para passar suas noites. Agora não havia mais. Havia, sim, o medo de acordar, de sair à procura da primeira pedra. De conseguir o primeiro dinheiro para pagar ao primeiro traficante para conseguir a primeira “decolagem” do dia. Depois, dormir, ressonar, desmaiar, melhor dizendo, para mais um período em que tudo ficava bem, por um átimo e depois a nova procura, a nova “fissura”, e a nova pedra. Tinha jogado na “mega sena da virada” em dezembro. Tinha sonhado em como seria acertar aqueles seis números mágicos, sozinho ou com mais um ou dois mágicos apostadores que teriam suas vidas mudadas após o prêmio. Compraria um avião. Alguns apartamentos, uma fazenda na Califórnia, e, sim, uma clínica de reabilitação que seria somente dele, pelo menos enquanto precisasse para se ver livre do triste destino a que se tinha entregue. Mas ele jamais tinha acertado coisa alguma na vida. O volante, jamais tinha conferido. Pensava que alguém iria encontrá-lo e lhe falar do prêmio, caso ganhasse a tal fortuna. E o tempo foi passando. E as esperanças diminuíam a cada dia. Foi quando achou, certo dia, num desvão da calçada, aquela trouxinha de erva. Era maconha. Imediatamente reconheceu o tóxico que o havia conduzido até aquele ponto. Sua boca se encheu d’água,. Há muito tempo não sentia o gosto doce da “erva do diabo”. Como já estivesse começando a escurecer, a ideia de fazer um “baseado” tornava-se cada vez mais viável. Seu fiel isqueiro, que apalpara enquanto planejava estava à disposição no bolso da calça encardida que há muito não via água. E papel? Com pouco esforço, achou o volante de alguns meses atrás e foi rápido no raciocínio. Rasgou-o ao meio e fez o baseado, com maestria. Sentou-se ali mesmo, no fundo da praça vazia e sugou a fumaça que o fazia mais leve a cada tragada. Finalmente, adormeceu. Jamais tinha ganho nada, mesmo, aquele pobre coitado, mas naquele dia, tinha fumado o “baseado” mais caro do mundo, um que poderia comprar dois aviões e uma clínica de reabilitação exclusivamente para ele.

Tony Fonseca 


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