LUZ NA ESTRADA
Vínhamos, eu e minha esposa, voltando do Sana. No conforto de nosso carro, vidros fechados, ar e som ligados, lá fora, sibilando em nossos pneus, asfalto lavado da chuva forte que tinha caído, conversávamos sobre a magnífica noite no meio de muitos amigos, queijos e vinhos no frio aconchegante da serra de Macaé. Numa curva mais adiante, o susto: um grupo de pessoas acenava freneticamente pedindo que parássemos. Num relance pude contar umas seis pessoas, duas apoiando um senhor que parecia ferido ou acometido de grande dor, prestes já a avançar sobre a estrada. O que me fez tirar o pé do acelerador foi a criança no. Sim, havia uma criança no meio do grupo e foi ela a razão de pararmos uns duzentos metros adiante e manobrar para voltar. Minha mulher, que já sofrera dois assaltos no Rio, estava muito nervosa. Eu também me sentia inseguro; desarmado, sozinhos no meio do negrume da BR, meia noite e meia e um grupo de pessoas que bem podia ser uma quadrilha à espera de incautos e caridosos motoristas que perderiam suas carteiras, automóveis ou até suas vidas em ardil tão bem colocado... mas havia a criança. No relance em que meu farol iluminou seu rostinho, deu para entender sua súplica. “Pare. Pelo amor de Deus, ajude-nos!”. Fiz meia-volta. Era inevitável. Rapidamente, minha esposa concordara que tínhamos que nos arriscar a ser assaltados para não deixar de prestar ajuda a quem realmente precisava. Em segundos, fomos inteirados da situação: Seu Manoel, o jovem senhor de quarenta e poucos anos, vivia com a família em um sítio a uns dois quilômetros da estrada e tinha sido acometido por violenta crise renal, talvez Em nosso carro entraram o doente, sua esposa e seu genro e partimos à toda a velocidade para o hospital no centro de Macaé. Pelo caminho, até para animar um pouco o doente, começamos a conversar. Soubemos que viviam lá no sítio, seu Manoel, Dona Marta, a filha casada, cujo marido estava conosco, mais a netinha, filha desse casal e a outra filha solteira que, com o namorado, tinha ficado na estrada. Informando-nos mais sobre a tal netinha de seu Manoel, soubemos que tinha dois anos e que correspondia exatamente à minha descrição, inclusive quanto à roupa que trajava; um vestidinho branco sob um casaquinho azul claro. Só após termos preenchido a ficha de seu Manoel no hospital e nos assegurado de seu atendimento emergencial é que tomamos conhecimento da parte mais surpreendente de nossa aventura: a netinha do doente aquela de dois aninhos, casaquinho azul, única razão para que parássemos na BR, contrariando nosso medo de assalto, NÃO ESTAVA LÁ. Ela tinha permanecido com uma vizinha no sítio, já que chovia torrencialmente quando eles resolveram levar o seu Manoel para a estrada para tentar transporte para o hospital mais próximo. Não sei como a maioria de meus senhores vai aceitar essa narrativa como verídica. Também, não escrevo para nenhuma maioria, mas sim para uma minoria que, como eu mesmo, é suscetível a essas coisas mais transcedentais e inexplicáveis. A essas pessoas, a esses amigos, sei que posso abrir meu coração sem medo de escárnio ou zombaria. Esses meus amigos também teriam parado para ajudar àquele homem por quem aquela menininha no meio da noite escura da estrada, pedia. Fiquei pensando... Que dom maravilhoso seria aquele que nos tinha feito enxergar alguém que não existia, pelo menos ali, àquela hora? Seria a tal menininha uma santa? Uma fada? Alguém com poderes mágicos inexplicáveis? Enquanto voltávamos para casa, felizes com ter feito o que fizemos, vencido nosso medo das maldades do mundo, levei como de costume a mão para tocar em agradecimento, o crucifixo do tercinho que foi presente da uma querida amiga e que levo sempre pendurado ao meu espelho retrovisor. Foi quando vi a verdade: as contas azuis do crucifixo de meu terço e a forma da Cruz. Aquela imagem, colorida e desfocada, sobreposta na calçada e no muro além, me dera, de novo, a impressão de haver ali uma menininha, trajando um surrado casaquinho azul pedindo que parássemos, que prestássemos ajuda.
Que coisas incríveis Deus faz!
Tony Fonseca
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